quinta-feira, 28 de junho de 2012

Loja de Conveniências, II

 



 




Fumei o Derby floresta até o filtro.
Ia acender outro, só para matar o maço. Coloco o último cigarro na boca, mas isso traz à tona um pensamento terrível: PRECISO IR ATÉ LÁ!

BUUUMMM!!!

Uma segunda explosão, maior do que a primeira, manda o que sobrou do posto pelos ares. Uma das bombas de gasolina sobe mais alto do que os prédios que estão em volta, como um foguete indo em direção ao céu cheio de fogo e fumaça negra. Uma segunda onda de calor me acerta na cara. Mais janelas se estilhaçam. Os carros amontoados em volta do posto queimam. O fogo se alastra rápido.
Começo a revirar a valise. Meia dúzia de latas, dois sprays, biscoitos esfarelados... Preciso achar a porra do mapa! PRECISO ACH...

Não há mais tempo.

Mais criaturas começam a aparecer. Elas saem dos prédios e cambaleiam a esmo, em todas as direções, até que uma delas vira a cabeça num ângulo absurdo, e começa a subir a rua com os braços levantados. Eu continuo correndo ladeira abaixo de encontro ao monstro, o peso da valise me fazendo correr mais do que minhas pernas, sem poder me desviar. MERDA! Eu não tenho tempo para pensar, mas, mesmo que tivesse, a infinita idiotice que sucede meus arroubos de heroísmo não teria me permitido outra escolha. O desmorto cambaleia na minha direção, e eu vôo em direção às suas garras, acertando a valise naquele horror de órbitas vazias e gengivas podres. Sinto meu pé afundar no torax do desmorto caído. Eu teria continuado meu curso, mas sinto o ar sumindo de repente e algo me puxando com toda a força para trás.
Rolando no chão, sinto o fedor do desmorto sobre mim. Garras apodrecidas prendem meu poncho com uma força extraordinária. Uma boca feroz rasga o cachecol, e eu me vejo cara a cara com a minha morte  - ela tem uma cara comida por vermes e larvas de mosca.

Luta ou fuga? Eu me debato e esmurro às cegas, até que consigo me livrar do poncho e ficar de pé. Tropeço na valise, e me ergo de novo, com a fumaça ardendo nos olhos, a lata de spray em uma das mãos e o isqueiro na outra.

Eu adorava aquele poncho. É foda ter que queimá-lo.


Desço mancando na direção do incêndio. O calor é infernal, e as labaredas de três metros de altura já alcançam o meio da rua. O asfalto cola na sola do tênis, e eu tenho que prender a respiração para passar no meio da fumaça. Meus olhos ardem, minha pele queima, minha perna dói, e acho que quebrei alguma coisa. Mas o derby floresta está quase intacto. Eu o segurei com os dentes.

Dentro das labaredas, eu vejo os vultos das criaturas se contorcendo em agonia. Um corpo carbonizado irrompe da fumaça com a cabeça em chamas... dá alguns passos na minha direção e um último grito de ódio, antes de suas pernas esturricadas se partirem. O monstro está imóvel no chão, com a cabeça ainda queimando e olhando para mim.

Foda-se, Motoqueiro Fantasma.

[...]

Tento me lembrar das ruas e fazer o menor trajeto.  Sempre fui péssimo em orientação, mas com a ajuda do meu mapa e das marcações poderia encontrar o caminho mais curto. Ainda sinto o calor do incêndio que arde há alguns quarteirões daqui, e, sem ninguém para apagar, vai arder por muito tempo ainda. A cidade já era, preciso pegar o que preciso e meter o pé. Faltam mais algumas ruas. As criaturas parecem estar desorientadas, e consigo evitá-las sem muitos problemas. As mais audaciosas dentre elas recebem um jato flamejante na cara e desistem de tentar – elas temem o fogo, e vão aprender a me temer também.
Viro a esquina e estou no lugar que procuro. A porta da loja com os símbolos vermelhos que pixei há mais de um ano... Nem seria preciso consultar o mapa para conferir. Lá está ela. Inconfundível.

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