Estou completamente paralisado, com as pernas e o maxilar travados de terror. Nunca vi tantos assim. A cacofonia produzida por mil traquéias decompostas é como uma onda que se agiganta e vai inundando toda a cidade com uivos e gemidos inumanos. Na verdade, nenhum animal vivo poderia produzir um som tão prolongado e doloroso.
Uns gemem, outros rosnam, mas os piores são os
que gritam. O som rasgado e agudo explodindo cheio de ódio atrai os outros, e
depois mais outros, que replicam os gritos dos primeiros, de modo que agora são milhares de desmortos subindo a
rua larga em meio aos veículos abandonados. É como se o mar avançasse
sobre a terra, um mar de carne podre, garras e dentes infectos.
Eles estão em perpétuo sofrimento. Condenados a vagar com os membros semi-rígidos, a cambalear pelas cidades onde antes habitavam - corpos e almas dilaceradas. Não estão nem vivos, nem mortos, mas continuam a vagar como criaturas grotescas, como se ainda fossem o que já não são mais.
Eles estão em perpétuo sofrimento. Condenados a vagar com os membros semi-rígidos, a cambalear pelas cidades onde antes habitavam - corpos e almas dilaceradas. Não estão nem vivos, nem mortos, mas continuam a vagar como criaturas grotescas, como se ainda fossem o que já não são mais.
Não confio mais que eu mesmo pertenço ao mundo dos vivos. De fato, a fumaça negra que encobre os últimos raios do sol são presságios de morte. A fuligem do incêndio flutua etérea e se espalha no ar quente, criando uma atmosfera de desespero e irrealidade. Mas este não é um simples pesadelo: é o pior dos pesadelos tornado real.
BUUUMM!!!
Súbito, uma explosão me acorda do devaneio. Um bujão de gás explodiu em um dos prédios, projetando uma língua de fogo e de objetos flamejantes pela janela. Outras explosões seguem a primeira, e eu acordo na sacada do sobrado condenado, cercado por um exército de mortos-vivos em meio a um incêndio colossal. Com as mãos tremendo, procuro um cigarro e o acendo.
Seria um destino ainda pior morrer com o maço tão cheio.
O ar começa a ficar mais quente e mais pesado, os primeiros desmortos já foram engolidos pelas chamas. Passo as alças da valise sobre o ombro, cruzando-a no peito, calculando a melhor forma de distribuir o peso sobre as pernas. O machado está preso no cinto, e a escopeta está no lado oposto. Termino o cigarro e dou uma tragada profunda na bombinha de Aerolin, e sinto a respiração fácil enquanto o coração dispara. Tomo um último fôlego antes de saltar.
***
Foi um salto aterrador.
Na hora do salto, esqueci a regra fundamental de nunca olhar para baixo. Vi os corpos desfigurados se contorcendo na tentativa de me alcançar, com dezenas de braços e pernas faltando. Eles são uma legião com as vísceras expostas, mutilados uns pelos outros - e unidos pela mesma fome insaciável. Suas bocas se arreganham enquanto eles se amontoam abaixo de mim. Senti quando um deles agarrou meu tornozelo com a mão fria e começou a me puxar.
Também senti o ar desaparecer quando bati com o diafragma contra a marquise de concreto, mas ainda tive fôlego o bastante para impulsionar o corpo para cima e me afastar das mãos gélidas da morte. Tudo o que perdi foi meu tênis de corrida. Hoje à noite eu verei a estrela da minha boa sorte brilhar um pouco mais pálida.
***
Não há tempo para repor as energias. Preciso continuar correndo para ter uma chance de sobreviver.
O sol se põe às minhas costas, eclipsado pela fuligem e pela fumaça. A maré dos mortos vai enchendo a rua na direção contrária à do fogo, e eles vão se empurrando uns por cima dos outros. Os mortos cambaleiam o mais rápido que podem, mas eu sou ainda mais rápido.Vou correndo e saltando por cima das marquises, e assim deixo o grosso da massa desmorta para trás. Mal consigo sentir as pernas, mal vejo onde estou pisando: o chão some sob os meus pés. Salto uma viga por puro instinto, e vejo a parede de um prédio crescendo à minha frente.
Terei que enfrentá-los no chão.
Saco o machado e pulo na carroceria de um caminhão abandonado. Depois salto outra vez, arrebentando a cabeça do primeiro zumbi antes de tocar o asfalto com os dois pés.
Outros se aproxima de mim pelas costas, e o que está mais próximo vem com a língua pendendo abaixo do queixo e com as entranhas à mostra, ocultas apenas por uma obscena gravata manchada de sangue. Este eu derrubo com um coice, enquanto tomo a dianteira e recomeço minha corrida desesperada pela vida. Um policial usando um traje de batalhão de choque se coloca no meu caminho, ainda com o escudo preso ao braço que não foi devorado. O pescoço, no entanto, está desprotegido, e eu o parto com um golpe usando ambas as mãos. O próximo desmorto se aproxima com os passos vacilantes, e eu o derrubo com um golpe lateral para não diminuir a marcha. Se reduzir a velocidade, serei engolfado pela onda desmorta e tragado para as profundezas do seu mundo.
Eles vem por todos os lados, mas são apenas algumas dezenas. Vou deixando a maré para trás. Um deles agarra o meu poncho, e a garra continua presa mesmo depois que a separo do corpo. A garra sobe pelo poncho em direção ao meu pescoço, como uma aranha macabra capaz de me matar com uma única picada. Me livro dela apenas alguns instantes antes de realizar o seu intento, e acabo me chocando contra uma montanha de carne podre.
O desmorto gigantesco continua de pé, enquanto eu caio sentado no chão. Ele avança com o corpo inchado e os braços obesos em direção a minha garganta. Outros desmortos se aproximam pelas costas com uma rapidez inesperada, talvez animados pela minha queda e morte iminente. Dois zumbis me cercam pela direita. Eu só tenho uma possibilidade de fuga.
Sem me deter mais que um instante no chão, eu rolo para a esquerda e me levanto golpeando o monstro de carne intumescida na altura das costelas. A carne do abdômen se rompe num rasgo surpreendente quando os gases da putrefação se expandem, espalhando as tripas da aberração pelo asfalto. Abro caminho usando os cotovelos e girando o machado em todas as direções, e os mortos vão caindo despedaçados pela ferramenta fiel. Três deles se voltam tentando barrar a minha fuga, então saco a escopeta com a mão esquerda e varro o caminho com um leque de chumbo.
BLAM!
BLAM!
A rua termina em um cruzamento bloqueado por dezenas de carros abandonados às pressas na avenida central da cidade. Subo no chassis de um Opala e confirmo minha triste suspeita: os mortos vem de todas as direções. À minha frente, porém, vejo um segundo sol branco nascendo em meio a escuridão e ao oceano de cadávers, quebrando-os no meio e rasgando-os como um navio que corta as ondas. O som da buzina de cargueiro provoca a fúria dos desmortos, que gritam em resposta com um ódio que se propaga em todas as direções.
Adorei!!! Mal posso esperar pela próxima postagem...
ResponderExcluiradorei!!! rsrsrs a trilha sonora deu o toque super especial!
ResponderExcluirMe amarrei na trilha sonora tb!!
ResponderExcluirAgora ele não tem mais munição...