sexta-feira, 6 de julho de 2012

A Casa de Virgínia Ortega, II



Eu não quero acreditar no que eu vejo - mas é necessário.

Estou apoiado com a mão esquerda na parede e com os pés sobre um muro cheio de lodo e cacos de vidro. Estava pronto para escalar o parapeito e passar pela janela, quando a cabeça decomposta surgiu mordendo através do batente. O som do despertador infernal me desorienta, e tudo o que consigo fazer é jogar o meu peso para trás, tentando escapar dos dentes  e da morte certa. 

Meus pés escorregam no muro, e tento me equilibrar enquanto esquivo da cabeça que morde  furiosamente no ar. Eu escapo por muito pouco, mas pago um alto preço. Sinto uma dor lancinante que rasga o meu braço esquerdo, enquanto minha cabeça bate no chão molhado com um barulho surdo. Está tudo escuro.

***

Ouço o despertador tocando a quilômetros de distância.

Minha visão começa a voltar, destruindo a breve e reconfortante sensação de que despertava de um pesadelo. Sinto um calor do lado esquerdo do corpo, um calor fluido e viscoso que se esvai do meu antebraço inerte. De joelhos e ainda meio surdo, rasgo um pedaço da camisa para improvisar um torniquete. Um dente de vidro âmbar se projeta do ferimento que mina sangue escuro, mas não há tempo para removê-lo. Eu amarro o antebraço com vidro e tudo. Prendo a respiração e mordo uma ponta da camisa, enquanto dou um puxão vigoroso com a mão boa. 

AAAAHHHHRRGH!!!!

***
  
Um segundo grito responde ao meu grito de dor. É um urro inumano, cheio de fome e de fúria. Um urro que reverbera pelos prédios, e que é seguido por outros gritos vindos de todos os lados. Ao fundo, o despertador parece anunciar às criaturas desmortas que é hora do almoço. Minha única opção é confiar em minhas glândulas suprarrenais.

Me ponho de pé, e sinto os joelhos falhando. Não há tempo para dor. O primeiro desmorto já  está no portão. Com a cabeça girando, eu corro meus olhos em busca de uma saída, apenas para encontrar mais desmortos maltrapilhos descendo pela escada de barro na outra ponta da servidão de passagem.

Estou fodido demais pra acender meu último cigarro.

Cravo o machado no crânio do desmorto através das grades do portão, e puxo o corpo inerte contra as barras de ferro. Com muito custo e toda a força que resta em minhas pernas, subo o portão apenas alguns instantes antes do segundo cadáver alcançar as grades e começar a sacudí-las. 

Sem poder me apoiar na  parede, uso o machado como contrapeso e começo a caminhar entre os cacos de vidro, confiando minha vida ao débil equilíbrio que ele me proporciona. Caminho em direção à janela aberta, enquanto uma massa de desmortos desce do cortiço pela escadaria de barro.

Estou diante da janela, e vejo a cabeça decepada de um desmorto com cabelos compridos atados a uma corda. Ela continua mordendo o ar, com uma  expressão de ódio na face apodrecida. Meu braço direito começa a tremer. A visão fica embaçada, e sinto a morte se aproximando como uma vertigem.


[O cocho pode manejar um cavalo, o manco um rebanho.
O surdo pode ser um forte lutador.
Ser cego é melhor do que arder em uma pira:
Não há nada que um morto possa fazer]

TCHUK!

***

A cabeça do monstro se quebra em duas, destroçada pelo golpe de machado. Os desmortos avançam uns sobre os outros pela passagem, e estão prestes a me alcançar. Jogo a ferramenta primeiro, e depois pulo para alcançar o parapeito. Me agarro com a mão direita e me apoio usando o cotovelo do braço ferido, que irradia uma dor aguda que quase me faz apagar.

***

Finalmente, estou do lado de dentro. A janela dá ascesso a um corredor vazio, que termina em uma escada. Acendo meu último Derby enquanto observo os mortos se acumularem debaixo da janela. Meu sorriso seca nos lábios quando noto que a valise com todos os meus suprimentos ficou no chão quando eu caí.

PORRA!
Silencio o despertador com o meu pé.

2 comentários:

  1. Matar zumbis é uma das necessidades mais básicas do ser humano. Enquanto o apocalipse zumbi não ocorre, a gente supre a necessidade lendo ou jogando video-game!! Muito maneira a tensão da história

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  2. terminaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa issooo!! preciso saber o q acontece!

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